Caminhava pelo passadiço saindo do elevador, naquela manhã quente de Agosto como se o mundo lhe pertencesse. O andar felino, astuto e sensual pareciam relegar todo o cenário de fundo para um background difuso e lento, tornando-o numa mancha disforme. Poderia jurar que as balas de MATRIX, se comportariam efectivamente naquela altura, como no filme.. lentas, delineadas e definidas como se atravessassem um mar de água límpida..
Fêmea e predadora, seu olhar virado e fixado em frente..cristalino, como que antecipando o êxito da caçada e saboreando a presa, mesmo antes de a ter trágica e inapelavelmente na sua boca desprovida de dentes ferozes ou caninos afiados e longos que trespassam e despedaçam carne, músculos e ossos... e no entanto, mil vezes mais perigosa, inibidora e fatal que qualquer outra..pela simples razão de que não provoca na presa o instinto básico e bestial de defesa e sobrevivência, deixando inapelavelmente o pescoço aberto à mordida quente, asfixiante e vampiresca com aquele efeito de anestesía, que faz o cérebro descer para um sitio bem interior no qual a memória e o pensamento se perdem ..sem se saber se algum momento depois renasceremos..
Ao fundo, caminhando na sua direcção..senti-me observado..! é incúria avançar na direcção de uma ameaça felina que nos mira com olhar pulsante e sedento, mas há quem diga que essa é a atitude correcta a ter perante um felino. Já nos cães e crocodilos, o melhor é passar ao lado...
Senti-me cuidadosamente olhado e estudado, tocado sem ser tocado e escravo dessa boca mesmo antes de ver com clareza o contorno dos seu lábios esguios e sedutores..nem por um momento abrandei o meu passo, mas juro que a cada um dos meus, ela parecia avançar três..ou pelo menos assim eu o desejava..
Ela de cabelo "loiro mediterrânico" longo, esvoaçante, batendo nos ombros ao ritmo da sua passada firme e vincada..ele, ansioso diga-se, aparentando uma calma nervosa que ao mínimo soluço o faria perder a compostura e que provavelmente a cadência dos seus passos não permitiria esconder...
tropeções e desequilíbrios não ficam bem nestas situações..
Cara a cara..mãos quentes e suadas, trémulas..Olhos nos olhos imensos de verde.. um rosto de mil sorrisos e duas bocas de dois mil prazeres..prontas a alimentar a fome que cresceu ao longo das semanas de separação forçada..peles bronzeadas e suadas com o calor daquela manhã quente de verão e aquele olhar de fome insaciável sem idade ou travão..
abraçamo-nos como nunca..teu ar felino e perigoso depressa caiu por terra..se calhar esta imagem seria apenas imaginação minha, nem sei, talvez nunca a tenhas tido... mas quando caís-te nos meus braços (e eu nos teus) eras a mulher quente e vulnerável que visitou os meus sonhos durante noites a fio..apenas a tua voz pareceu existir ao longo dessas semanas..e agora estava mais nítida do que nunca..junto ao meu ouvido..
-"Tive saudades tuas.."
-"Existes mesmo, retorqui.."
Horas e horas de lençóis suados não chegaram para matar a saudade e sossegar as vontades..o tempo parou e o mundo com ele.
Ausências dão lugar a fome.. fome que a comida não mata, o sono não faz esquecer e o álcool não atenua pois não se trata de uma fome orgânica ou física. ..fome constante que nos torna fracos e inseguros...É uma fome que cresce no espirito e na alma e para o qual o corpo procura redenção..e como qualquer fome, seja ela orgânica, espiritual, física ou sexual..é pela boca que nos saciamos..pois dela saem as palavras que nos unem e "nos explicam", os sorrisos e as gargalhadas que nos elevam, os gritos de dor e prazer que nos marcam para a vida e nos fazem querer sempre mais e dar mais...
-"Quando te vejo, linda?"
-"Não sei..em breve haveremos de estar..sempre estamos.."
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